12 outubro, 2006

Outubro, mês rico em Magia

Outubro é um mês rico em magia.

Mesmo na Antigüidade, acreditava-se que outubro era o mais mágico dos meses e que a Grande Mãe transformava seus seres mágicos em formigas, borboletas e outros insetos que deveriam espionar os humanos para saber se eles mereciam sua ajuda. Daí nasceu o hábito de colocarem-se pratinhos de açúcar pela casa para agradar esses "espiões" mágicos.


DIA 01 DE OUTUBRO - FESTIVAL DE FIDES
Quantas vezes já fizemos promessas que não cumprimos? As promessas não são esquecidas pelos deuses e devemos manter nossa palavra. Hoje acensa uma vela branca para Fides, a deusa romana da palavra e do destino, para obter o perdão por suas promessas não cumpridas e perseverança para cumprir as próximas.


DIA 02 DE OUTUBRO - DIA DO GNOMO DE PALHA
Essa velha tradição germânica da região do Reno era feita em homenagem a Rickfillie. Era um gnomo que podia transformar palha em ouro. Por isso os aldeões colocavam palha em suas janelas para agradá-lo e assim atrair uma época dourada para a casa. Faça o mesmo hoje. Coloque um pouco de palha na janela e visualize-a dourada, com a passagem de Rickfillie.

DIA 04 DE OUTUBRO - FESTIVAL DE BACO
Em Roma, este era mais um dia consagrado a festejar Baco, deus da alegria e do vinho. Acreditava-se que quem agradasse Baco atrairia para si a fartura e a alegria. Faça o seguinte ritual: peque onze uvas, mergulhe-as dentro de uma taça de vinho e vá comendo-as uma a uma. Depois, faça um brinde a Baco e tome o vinho.

DIA 07 DE OUTUBRO - DIA DAS FADAS BORBOLETAS
Acredita-se que as borboletas são fadas disfarçadas. No dia sete de outubro, as fadas presenteiam quem nelas acredita. Num jardim, quintal ou parque, siga a primeira borboleta que vir e veja qual o primeiro lugar em que ela vai pousar. Aguarde que ela se afaste naturalmente e aproxime-se. Se for uma flor, uma folha ou uma pedrinha, peça permissão à Mãe Natureza para pegá-la e leve-a consigo. Este será um grande amuleto de sorte para você!

DIA 08 DE OUTUBRO - DIA DE VITÓRIA
O festival grego em homenagem à deusa do Triunfo e da Glória era realizado neste dia. Escreva num papel algo que queira muito conquistar e queime-o em uma vela laranja em honra à deusa. Acredite em seus sonhos, pois sua batalha agora terá mais uma espada a seu favor.

DIA 09 DE OUTUBRO - DIA DE FELICITAS
Felicitas é a deusa romana da felicidade e boa sorte e você pode homenageá-la hoje acendendo uma vela azul e um incenso de flores para ela.

DIA 11 DE OUTUBRO - PRIMEIRO DIA DA THESMOPHORIA
A exemplo dos Mistérios Eleusis, a Grécia também relembrava, através deste festival de três dias, o encontro de Deméter com sua filha Perséfone, levada para o submundo por Hades. No primeiro dia, coloque uma vela negra (Perséfone) e uma laranja (Deméter) lado a lado. Acenda apenas a vela laranja e apague-a na metade. Este ritual representa a busca de Deméter pela filha, assim como sua busca por algo que perdeu e deseja recuperar.

DIA 12 DE OUTUBRO - SEGUNDO DIA DA THESMOPHORIA
Hoje, acenda apenas a vela negra e apague-a na metade. Esta fase do ritual simboliza a tristeza de Perséfone, que chorava no submundo a ausência da mãe.

DIA 13 DE OUTUBRO - TERCEIRO DIA DA THESMOPHORIA
Hoje, una as duas velas e acenda-as, deixando-as queimarem juntas. Esta fase celebra o reencontro das duas deusas e a criação do eterno ciclo. Você também está criando condições para a renovação de partes de sua vida que não estão lhe fazendo feliz.

DIA 14 DE OUTUBRO - DURGA PUJA
Na Índia, Durga Puja é um festival em honra à deusa Durga, a Grande Mãe que tem como função levar novamente aos corações e ao mundo a paz e a ordem. Se algo na sua vida não vai bem e seu coração está pesado, acenda uma vela branca para Durga e peça-lhe para trazer ordem e harmonia para sua vida.

DIA 16 DE OUTUBRO - FESTIVAL DAS LUZES DE LAKSHIMI
Na Índia, Lakshimi é a deusa da beleza e do amor e acredita-se que quem a celebra hoje terá muita sorte nos caminhos do amor. Acenda cinco velas unidas em círculo, untadas uma a uma com óleo de rosas. Peça à deusa que abra seus caminhos no amor e ilumine seu coração com luz, sabedoria e magia.

DIA 18 DE OUTUBRO - HOMENAGEM A CERNUNNOS
Cernunnos é o deus celta que faz a contraparte da Deusa. É o senhor dos animais e da Natureza, aquele que fertiliza a terra. Acenda hoje três velas. A primeira deverá ser verde e você deve chamar pelas mudanças que deseja em sua vida. A segunda deve ser marrom, com a qual você ordena que os obstáculos caiam e que a má sorte se afaste. A terceira deverá ser laranja ou dourada e deve chamar o Sol, a prosperidade e a boa sorte par junto de você.

DIA 20 DE OUTUBRO - DIA DA DAMA DO LAGO
Segundo a tradição de Gales, a Dama do Lago ofertou a espada mágia a Arthur. Hoje, visualize sua dama do lago interior saindo de um lago cristalino e entregando para você sua espada mágica. Saiba honrá-la.

DIA 22 DE OUTUBRO - FESTIVAL DE NEITH
Na mitologia egípicia, Neith, a mãe dos deuses, era "aquela que abria os caminhos". Hoje, acenda três velas de cores claras em seu local de trabalho e Neith dissipará todas as influências negativas que possam atrapalhá-lo.

DIA 25 DE OUTUBRO - DIA DA FONTE DOS DESEJOS
Essa antiga tradição vem da Islândia. Escreva seu desejo em um papel e desenhe nele quatro luas crescentes. Pegue uma moeda e embrulhe-a com o papel, jogando-a num regato, fonte ou poço.

DIA 26 DE OUTUBRO - DIA DA GRANDE MÃE NEGRA
Hoje é mais um dia dedicado à Grande Mãe que nunca abandona seus filhos. Você pode enxergar a Grande Mãe hoje de maneiras muito sutis e mágicas, basta estar atento e aberto. Acenda em sua honra uma vela verde e seja especialmente gentil com todos hoje.

DIA 30 DE OUTUBRO - DIA DE MORRIGAN
Patrona das sacerdotisas e bruxas na tradição celta, Morrigan rege as batalhas internas, quando uma parte de nós deve morrer para que outra viva. Neste dia, acenda uma vela escura e um incenso de absinto, pedindo por renovação. Quando essa vela acabar, acenda outra de cor laranja, pois representa uma nova fase, uma fase muito melhor, que está começando para você. Deixe as coisas do passado passarem...

DIA 31 DE OUTUBRO - HALLOWEEN/SAMHAIM
Fechando o ciclo das várias festividades e rituais de outubro, temos o famoso
Halloween, ou Samhain, o sabat onde comemora-se o Ano Novo celta. Neste dia, as portas para o mundo mágico - sidh - estão abertas, deixando o trânsito livre para todos os seres encantados e facilitando assim o contato com várias entidades. O cristianismo lutou para acabar com esta festa pagã, que ficou conhecida como o Dia das Bruxas, que acabou ficando conhecido popularmente como uma festa de fantasias em que bruxas e seres encantados festejam sua liberdade com guloseimas e brincadeiras. Neste dia, escreva seus pedidos para o próximo ano e coloque-os em um caldeirão de ferro. À meia-noite do dia 31, queime o papel, pedindo que os seres encantados realizem seus desejos.

10 outubro, 2006

Caminhando sob a Senda Mística


Ao enveredar no caminho obscuro da Senda Mística
olhe-se diante do espelho everás o que te espera –
Conhecer a Ti mesmo.

Conhecer a si mesmo não é se fechar sob a caixa de pandora e exigir que se abra.
Nem acreditar que somente aquilo que vê e sabe é real.
Tente olhar com o olho do outro.

Há coisas que somente podem ser vistas eentendidas pelo ponto de vista do outro.
Somente assim poderá aprender o que ooutro escreveu e ensinou.

E então poderá despertar o seu mestre interior e ver com seus próprios olhos.
Ao adentrar no olho do outro aprenda como se faz,
porque se faz e o que se faz.
E ao retornar a olhar com seus próprios olhos,
respire fundo e faça.

Nenhum conhecimento pode ser declarado conhecimento se não houver ação.
Se criares barreiras entre o seu modo de ver e o dos outros,
viverá fechado e comprimido em si mesmo.
Ao ver com os olhos dos outros,
poderá entendê-los e saber o que realmente estão pensando.
Quando aconselha alguém com o seu ponto de vista na intenção de dizer o que você faria em vez de entender o que ele deve fazer do ponto de vista dele,
comete um sacrilégio contra a vontade humana.

Por isso,
é importante não tentar entender ou julgar os outros pelo seu ponto de vista.
Ninguém tem o direito de viver a vida do outro,
principalmente fazendo-os enxergar apenas a nossa vida como exemplo,
por achar, de forma egoísta, que sabemos exatamente como eles devem viver.
Quando lemos um livro importante ou quando somos guiados por um mestre espiritual conhecemos o que os outros pensam.

Ser guiado não é o mesmo que ser alienado,
alienação e entregar aos outros a sua vontade.
E é por esse motivo que se procura conhecer a si mesmo
e despertar seu mestre interior para poder enxergar com os próprios olhos.

Aquele que caminha sob a Senda Mística pode ser acusado de fugir ao problema no que se refere à verdade,
ainda que não descubra a “verdade em si”,
irá descobrir que tudo possui uma questão cultural,
uma falsa consciência e muitas circunstâncias desconhecidas,
relevantes para sua descoberta.

Na realidade,
se acreditarmos já possuirmos a verdade,
perderemos o interesse em descobrir as próprias intuições
que nos conduziriam a uma compreensão aproximada
e não estaríamos prontos para entender os dogmas e os paradigmas que criamos.

Os paradigmas são modelos, diretrizes,
formas de pensamento ou caminhos e teorias que construímos.
Ao romper um paradigma surge um outro, ao quebrar uma regra forma-se outra.
Se disser que não “existe regras e que tudo é feito pela vontade”,
acaba formando uma nova regra.

Quando se muda um paradigma promocionado não significa falta de lei ou de ordem.
Tudo tem um significado e uma representação,
mesmo sendo nós os grandes produtores desses paradigmas.

Para isso,
não podemos enxergar apenas pelo meio da causa e efeito ou pela ação e reação.
Em um tudo há um significado ou uma representação.
Há um significado na causa e outro no efeito.
Até mesmo o acaso possui um significado.

Eles podem representar uma manifestação da vontade e da lei.
Ao conceder a experiência mística o único meio adequado de se revelar ao homem sua natureza e sua espiritualidade,
ainda é preciso admitir que o elemento inefável almejado para adentrar na senda do conhecimento espiritual não pode ser possível sem uma mudança de postura,
autoconhecimento,
de conhecimento social e cultural estabelecido pelos conceitos éticos e morais.

O conhecimento cognitivo que se processa no interior do cérebro não é suficiente para embrenhar na Senda Mística.
Este conhecimento lógico não é a única forma de aprendizagem.
É preciso um conhecimento de sensibilidade,
que venha do tato e que não passa apenas pelo cérebro.

É necessário visualizar,
pegar,
sentir,
tatear com as mãos,
abstrair e concretizar conhecimentos para poder imaginar e despertar a Fé em si mesmo.

Nenhum conhecimento está centrado exclusivamente no cérebro,
mas também nos sentidos,
na percepção e na intuição.

As bases fundamentais são:
Conhecer a ti mesmo,
a Fé,
Conhecimento e a Vontade.

Conhecer a ti mesmo é o primeiro desafio para obter consciência de si mesmo e do que é capaz.
Não se pode dizer que conhece tudo o que está ao redor se não conhece a si mesmo.
Somente conhecendo sua divindade e seu demônio saberá o que é capaz de fazer.

O segundo desafio é a Fé em si, revelar sua divindade interior.
A Fé é mais que um requisito é a sublime transparência do Sou.
A manifestação do Sou reflete a força interior e exterior que desnuda o que está dentro de si, a Fé.

O terceiro desafio é o Conhecimento.
Conhecer é aprender,
seguir o coração,
o seu corpo,
sua mente e seu espírito no caminho da espiritualidade e da evoluçãodo ser humano.
O conhecimento está estritamente ligado com todos os sentidos da natureza humana,
e é o que dará o impulso no movimento de suas forças.

O quarto desafio é a Vontade e está intrínseco a todos desafios.
É impossível obter sucesso se não houver vontade.
Não há base única,
nem deve ser visto com pessimismo o fato de não possuir nenhum desses atributos,
porém,
para permanecer na Senda é preciso,
no entanto,
buscar estes desafios tornando-se uma pessoa de ação.

Engana-se aquele que acha que tudo é simples.
Na realidade a simplicidade das coisas está na complexidade do que é.
Somente com predisposição de aprender e humildade poderá,
então,

seguir adiante caminhando pela Senda Mística.


João Coutinho

30 setembro, 2006

O Circulo da Vida



Quando crianças nos perguntamos: 
Quem sou eu? 
De onde venho? 
Para onde vou? 
O que é o tempo?

Desde muito cedo pontuei dúvidas, que me faziam questionar o que me era ensinado (o que me era imposto), procurei na espiritualidade, mas o que me davam como resposta era muito pouco para fome existencial que eu tinha, hoje algumas coisas estão mais claras, mais agora existem outras dúvidas, uma fome diferente.
A eternidade como o universo está sempre se expandindo, se tornando novo, ocupando um possível vazio. Parece loucura! Mas o universo não tem fim e nem começo, é um eterno círculo.

Meu corpo não é eterno, mas a minha essência (espírito) é eterno, o que alimenta o espírito é o otimismo!
Devemos então ser conscientes de nossa existência, de todos os elementos que no cercam, da natureza, do quão divino e maravilhoso é o nosso dia-a-dia, quer você acredite em algo superior ou no que está dentro de nós!
A verdade, o conhecimento ilumina nossa estrada, só que a luz não estará lá, se nós não a acendermos, e em muitas vezes no ato de acendê-la nos queimamos, e mesmo quando ela está acesa, não significa que a estrada ficará mais fácil ou mais curta e sim que poderemos aprender e ver coisas que não poderíamos ver.

O Simbolismo da Serpente



Dentre os símbolos primordiais, a serpente é aquele que mais fortemente encerra toda uma complexidade de arquétipos. Presente em todas as culturas de qualquer época espalhadas pelos cinco continentes, sua imagem mitológica assume sempre um papel fundamental, associada que está, antes de tudo, à essência primordial da natureza, à fonte original de vida, ao princípio organizador do Caos, anterior à própria Criação.
A serpente guarda em si intrigantes paradoxos; se por um lado exprime uma ameaça, já que de seu veneno pode sobrevir a morte, por outro, resume no processo de renovação de sua pele escamosa todo o intrincado mistério da vida, que se atualiza em movimento rejuvenescente. Tudo na natureza se transforma, prova-o a troca de pele das víboras, símbolo também da ressurreição.


Diferentes cultos e cerimônias ritualísticas reverenciam este réptil sorrateiro, atribuindo-lhe as mais díspares qualidades. As serpentes podem estar associadas a cultos solares ou lunares, a sociedades matriarcais ou patriarcais, (quando assumem valores masculinos ou femininos); podem significar a luz ou as trevas; a vida ou a morte; o bem e o mal; a sabedoria ou seu oposto, a paixão cega; representar ora o falo, por seu corpo assemelhar-se ao bastão, ou mesmo simbolizar a vulva, conforme se lhe parecem as escamas que a recobrem bem como o formato de sua goela quando esta se abre para devorar sua presa.
Tanto quanto as energias Yin e Yang expressam no taoísmo as polaridades negativa e positiva que estão por detrás de toda manifestação da natureza, os ofídios, miticamente, ocultam em si a síntese desta dicotomia universal.
Uma das figuras mais intrigantes dos simbolismos alquímicos, presentes milenarmente em diversas culturas, é a da cobra (ou dragão) que morde o próprio rabo e opera, num movimento circular e contínuo, todo o processo dinâmico e transformador da vida. "Meu fim é meu começo", diz a cobra nesse ato mágico de devorar-se e cuspir-se, a representar a unidade indiferenciada da vida, e seu caráter divino implícito na perfeição do círculo. À serpente devorando a própria cauda, os alquimistas chamaram Oroboro.


Tal palavra não consta da maioria dos dicionários, e em alguns livros da Grande Obra aparece grafada como "ouroboros", principalmente na língua inglesa; outras fontes, menos comumente, escrevem-na "uróboro". Prefiro, particularmente, o termo oroboro, visto não ter sido nunca tão oportuno em nossa língua nomearmos um símbolo cuja singularidade é a de não ter começo nem fim, por meio de palavra tão especial, que permite ser lida de trás para frente sem prejuízo sequer de sua pronúncia, transmitindo ela própria a idéia de algo que se expressa ciclicamente.
Etimologicamente, o termo tem curiosa explicação: óros, em grego, significa "termo, limite", podendo ser também "meta, regra ou definição"; borós se traduz por boca, ou por voracidade. Daí que oroboro representa aquilo que se delimita ou se atinge pela boca, também aquilo que se define por sua própria função.
Órobos, em grego, ainda significa "planta", mais especificamente a alfarroba (fruto da alfarrobeira), uma vagem de polpa doce e nutritiva indicada no tratamento das doenças inflamatórias digestivas.
O dicionário Aurélio traz para órobo o significado de "cola", palavra esta que além de se referir a outro tipo de árvore, a Cola acuminata, cuja semente produz alcalóides tônicos, também pode significar "cauda", conforme certos regionalismos do Brasil, sendo igualmente encontrada na língua espanhola a designar o rabo dos animais.


Para orobó (só muda o acento), o Aurélio reserva o sinônimo "coleira", em nova referência à aromática árvore acima citada, cujas sementes guardam extrato lenhoso de propriedades estimulantes, semelhantes à cafeína. Coincidentemente, coleira é o nome dado ao colar que cinge o pescoço dos animais, e o oroboro lembra sua forma; além disso, nossas vísceras intestinais assemelham-se à serpente enrolada, e o aparelho digestivo como um todo, se tomado da boca ao ânus, bem desenha a serpente aprumada, preste a dar seu bote, a devorar sua presa.
Outra aproximação do significado implícito no oroboro encontra entre os caldeus, que com uma mesma palavra designavam vida ou serpente.
Por influência destes, os árabes também denominam de el-hayyah a cobra, e por el-hayat, a vida. El-Hay, por sua vez, um dos principais nomes divinos do islamismo, não deve ser traduzido por "o que está vivo", mas sim por "aquele que vivifica", sendo El-Hay o princípio primário da vida.Dialeticamente, a cobra que morde sua cauda e não pára de girar sobre si mesma, evoca a roda da vida à qual estamos presos, bem representada pelo décimo arcano do Tarô, denominada em sânscrito roda de Samsara, que se traduz por "fluir junto". Samsara nos condena a experimentar as ilusões do mundo sem que jamais escapemos de seu giro, salvo quando rompemos o ciclo vicioso pelo despertar da serpente Kundalini, como veremos logo adiante.
Numa tentativa de resgate arcaico, cumpre lembrar que desde o paleolítico este réptil era representado por inscrições rupestres em forma de linha, assim como até hoje o fazem os pigmeus caçadores do sul da República dos Camarões. Mas como da linha só enxergamos a parte desenhada, e intuímos que ela se prolongue por suas duas extremidades ao infinito, talvez provenha daí o conceito de que a cobra que vemos (que pode nos envenenar, ser caçada, sacrificada em rituais etc) nada mais seja do que encarnação da verdadeira serpente universal, invisível, fundamento da vida e também o eixo e a base sobre os quais se escora o mundo conhecido.


A "Grande Serpente Invisível" acha-se representada em diversas culturas.
Entre os egípcios ela é Ra-Atum, divindade que ao emergir das águas primordiais cuspiu, ou expeliu pela masturbação conforme outras versões, Shu (o ar) e Tefnut (a umidade), que por sua vez engendraram Geb (a Terra) e Nut (a noite). Várias são as passagens do Livro dos Mortos em que Rá-Atum se pronuncia. No capítulo VII diz estar situada no centro do oceano celeste, frisa ser seu nome um mistério e seu poder, absoluto. No capítulo XVII diz ser o deus solitário dos vastos espaços do Céu, ser deus Rá levantando-se na aurora dos Tempos, também a suprema divindade que nasce de si mesma, e que seus misteriosos nomes criam as hierarquias celestes; Ra-Atum, maravilhado pela própria criação, noutra passagem adverte: "Sou aquele que não passa;... quando tudo retornar ao indiferenciado, então me transformarei de novo na serpente que nenhum homem conhece nem os deuses podem ver".
Na mitologia hindu encontramos concepção cosmogônica semelhante. O tantrismo roga que entre cada um dos ciclos de vida e morte do universo há um período de repouso durante o qual Vishnu, o princípio conservador de Brahma, repousa sobre Ananta, a serpente da eternidade. Nesta condição atemporal, Shiva, o princípio desorganizador de Brahma está imiscuído de modo indiferenciado em seu próprio poder, Shakti.
Quando Shiva inicia sua dança, o universo é então criado, e Shakti, operando agora como Prakriti (energia primordial incapturável e imperceptível da qual todas as formas de vida evoluem) desenvolve todo o universo desde os tattva (mundos) mais sutis até os mais densos, até criar a mente, os sentidos e a matéria sensível sob suas cinco formas, éter, água, fogo, terra e ar. Quando Shakti penetra no último e mais grosseiro dos tattva, a "terra", ou seja, a matéria sólida, sua missão está acabada. Shakti aí adormece sob a forma de Shesha, a serpente que sustenta o mundo, até a próxima era da nova Criação. Shesha nada mais é que um correlato da serpente cósmica Ananta, o infinito, e sua função é a de suportar o orbe e tudo o que nele se manifeste. Shesha e Ananta compõem, respectivamente, o sono divino e o divino despertar de Brahma.


Por Paulo Urban
Publicado na Revista Planeta nº 341 / fevereiro / 2001

26 setembro, 2006

Conversa com a Lua Negra


Eu olho pra mim e não me reconheço
Sou o verso, o anverso, o meio

Eu olho pra mim e não me reconheço
Sou página em branco esperando a escrita

Eu olho pra mim e não me reconheço
Sou a morte lançada à beira da estrada

Eu olho pra mim e não me reconheço
Passeiam em mim crocodilos e serpentes

Eu olho pra mim e não me reconheço
Conto horas, minutos, frações

Eu olho pra mim e não me reconheço
Um elo fora da corrente

Eu olho pra mim e não me reconheço
Percebo, não ouço... é latente

Eu olho pra mim e não me reconheço
Um grito preso na garganta

Eu olho pra mim e não me reconheço
Sou só eu e eu

Eu olho pra mim e não me reconheço
A lâmina, o algoz, a sentença

Eu olho pra mim e não me reconheço
Ainda posso calar se esse for o preço
Mas nada apagará as visões da mente

Eu olho pra mim e não me reconheço
Dois olhos Negros que me vêem através da Lua...


Nina Mardol

17 setembro, 2006

A Página Negra do Cristianismo - 2000 Anos de Crimes, Terror e Repressão


“Acreditar num deus cruel, faz um homem cruel” Thomas Paine


Prefácio

Há cerca de 2000 anos, nascia na Galiléia um fundador de seita, que acabaria crucificado uns trinta anos mais tarde. Algumas de suas últimas palavras na cruz foram “Dêem-me de beber”. E só. A seita que ele tinha fundado tornar-se-ia, com o passar dos anos, a maior de todos os tempos. Ela tomará o poder político dentro do Império Romano, abolirá a liberdade de religião, depois ajuntará montanhas de cadáveres: os seus membros massacrarão milhões de “infiéis”, “hereges”, “feiticeiras” e outros, depois se matarão entre eles próprios, levando a Europa às guerras mais ferozes que ela conheceu. Um passado destes poderia incitar à modéstia, mas os cristãos reivindicam, pelo contrário, o monopólio da ética. Proclamam que adoram o Deus único, que deus é “amor”, e se consideram melhores que o resto da humanidade. Única ideologia capaz de dividir com o comunismo e o nazismo o pódio dedicado às ideologias mais mortíferas da história humana, o cristianismo mantém-se uma ideologia dominante em muitos países ocidentais, como o “gendarme do mundo”, os EUA. Chegou a hora de abrir o “Livro Negro do Cristianismo: 2000 anos de terror, perseguições e repressão”, que resume algumas das piores atrocidades cometidas em nome dessa ideologia que pretende promover o amor ao próximo.

Ano um

“Os deuses não estavam mais, e Deus não estava ainda” O Império Romano garantia a liberdade de culto. O ateísmo e a razão dominavam. É nessa época que nasce um sujeito que, segundo dizem certos judeus, perdeu o juízo porque leu o Tora demasiadamente jovem. Ele funda uma seita que visa proibir o culto dos outros deuses, exceto o seu. O sujeito é finalmente morto, mas a seita se expande com o êxito que se conhece. O culto da personalidade do fundador da seita atinge, nos cristãos, um nível que mesmo o estalinismo não conseguirá igualar: o fundador é proclamado “verdadeiro homem e verdadeiro Deus” (“Deus-Homem”, em linguagem comum). Os que duvidam disso são proclamados imediatamente hereges, e sofrerão mais tarde os raios da Inquisição. A partir do século IV da nossa era, começará o assassinato dos não-crentes pelos cristãos.

Anos 50-70

A seita cristã se desenvolve. Textos gregos, escritos por membros da seita fora da Palestina (“Os evangelhos”) relatam a vida do fundador: nascido duma virgem, que se manterá virgem mesmo tendo vários outros filhos, ele terá sarado doentes, mas também amaldiçoa uma figueira que fica instantaneamente seca, e fará precipitar num lago centenas de porcos que lhe não pertenciam.


Este personagem, que defende os pobres mas também afirma que “aqueles que têm tudo serão louvados, e aqueles que nada têm, o pouco que têm ser-lhe-á retirado”, um pouco patético quando amaldiçoa uma figueira ou se deixa crucificar, é declarado a encarnação do “Deus único”. O fato de, segundo os evangelhos “canônicos”, as suas últimas palavras sobre a cruz terem sido “Dai-me de beber” não parece perturbar os adeptos da seita, que se expande por todo o Império. A intolerância religiosa dos cristãos, que visam abertamente, desde o início, impor uma interdição aos cultos de deuses que não o seu, o qual eles insistem ser o “único Deus”, começa logo a atrair a atenção da justiça romana, que defende a liberdade de culto, a qual é um dos pilares dessa sociedade complexa e multicultural que é o Império Romano dos primeiros séculos da nossa era. A propaganda cristã inverte habilmente a situação.


Os condenados pela justiça romana são declarados “mártires” e os seus restos são venerados nas igrejas, inventando-se a lenda de eles terem sido executados por terem “recusado a renegar a fé”, desculpa essa bem melhor do que a verdade nua, que mostra que foram condenados por desordem e imposição da intolerância religiosa na sociedade multicultural.

Ano 312

Tomada do poder pelos cristãos. No fim duma guerra civil, Constantino toma o poder. Pouco depois ele se converte oficialmente ao cristianismo, e “autoriza”, num primeiro tempo, o culto do deus único cristão, pelo Édito de Milão: é o início da perseguição religiosa na Europa. Pouco a pouco o culto dos outros deuses, exceto o deus cristão, vai sendo proibido. Os santuários clássicos serão destruídos ou transformados em igrejas cristãs. No fim do século IV, não haverá mais nenhum templo pagão em toda a bacia do Mediterrâneo.

Ano de 380

O imperador Teodósio proclama oficialmente o Cristianismo a única “Religião de Estado”. Mas ainda será necessário esperar mais 12 anos para que todos os outros cultos sejam definitivamente proibidos.

Ano de 389

Teófilo, hoje Santo Teófilo, é nomeado patriarca de Alexandria e inicia imediatamente uma violenta campanha de destruição de todos os templos e santuários não-cristãos. Tem o apoio do pio imperador Teodósio. Deve-se a Teófilo a destruição, em Alexandria, dos templos de Mitríade e de Dionísio. Essa loucura destruidora culmina em 391 com a destruição do templo de Serapis e da sua biblioteca. As pedras dos santuários destruídos serão usadas para edificar igrejas para a nova religião única, a cristã.


Em seguida e para demonstrar que ele é capaz de perseguir também cristãos (na medida em que eles não sejam 100% ortodoxos), Teófilo comanda pessoalmente as tropas que atacam e destroem os mosteiros que aderiram às idéias de Orígeno, um teólogo cristão que foi declarado herege porque afirmava que deus era puramente imaterial.

Ano de 389

Pela primeira vez, um chefe cristão dita a um imperador a política a ser seguida: Santo Ambrósio de Milão levanta-se em plena catedral e, com o sentido de caridade tão particular aos cristãos, impõe que o imperador anule a ordem que dera ao bispo de Calinicum, sobre o Eufrates, para que reconstruísse uma sinagoga que ele e a sua congregação tinham destruído.

A Igreja toma partido, assim, desde o princípio, dos incendiários de sinagogas, posição que continuará a manter até ao ano de 1940.

Início dos anos 390

O piedoso imperador cristão Teodósio interdita progressivamente todos os cultos não cristãos. Pouco a pouco, os templos não-cristãos são fechados ao culto, as procissões “pagãs” são proibidas. Esta supressão da liberdade de religião em proveito exclusivo do cristianismo causa, por vezes, revoltas, como a de 408, em Calama, na Numídia. É nessa época que acontecem na Germânia as primeiras execuções de hereges, uma bela tradição que a Igreja desenvolverá com a Inquisição e a perpetuará até 1826.

Ano de 391

Uma multidão de cristãos, guiados por Santo Atanásio e Santo Teófilo, deita abaixo o templo e a enorme estátua de Serapis, em Alexandria, duas obras-primas da antiguidade. A coleção de literatura do templo também é igualmente destruída.

Ano de 412

Cirilo, hoje Santo Cirilo, doutor da Igreja, é nomeado bispo de Alexandria e sucede a seu tio Teófilo. Excita os sentimentos anti-semitas difundidos entre os cristãos da cidade e, à frente duma multidão de cristãos, incendeia as sinagogas da cidade e faz fugir os judeus. Em seguida encoraja os cristãos a tomar os bens dos fugitivos, deixados para trás.

Ano de 415

Hepatia, a última grande matemática da Escola de Alexandria, filha de Theon de Alexandria, é assassinada por uma multidão de monges cristãos, incitados por Cirilo, patriarca de Alexandria, que será depois canonizado pela Igreja. O motivo dessa ação foi que a brilhante professora de matemática representava uma ameaça para a difusão do cristianismo pela sua defesa da Ciência e do Neoplatonismo. O fato de ela ser mulher, muito bela e carismática, fazia a sua existência ainda mais intolerável aos olhos dos cristãos. A sua morte marcou uma reviravolta: após o seu assassinato, numerosos pesquisadores e filósofos trocaram Alexandria pela Índia e pela Pérsia, e Alexandria deixou de ser o grande centro de ensino das ciências do Mundo Antigo.

Além do mais, a Ciência retrocederá no Ocidente e não atingirá de novo um nível comparável ao da Alexandria antiga senão no início da Revolução Industrial. Os trabalhos da Escola de Alexandria sobre matemática, física e astronomia serão preservados, em parte, pelos árabes, persas, indianos e também chineses. O Ocidente, por outro lado, mergulha no obscurantismo, do qual começará a sair mais de um milênio depois.

Em reconhecimento pelos seus méritos de perseguidor da comunidade científica e dos judeus de Alexandria, Cirilo será canonizado e promovido a “Doutor da Igreja”, em 1882.

Séculos V a XV

A “Idade Média Cristã”. Aproveitando o desaparecimento das grandes bibliotecas romanas e na ausência quase total da atividade editorial na Europa, a Igreja obtém, de fato, um monopólio sobre o conjunto da escrita e da informação. O povo é deixado propositadamente na ignorância, a leitura da Bíblia é desencorajada mesmo no caso de se ter acesso a um exemplar.

Pouco a pouco, a Igreja impõe o seu domínio sobre a sociedade. A inquisição, o celibato dos padres, o caráter obrigatório do casamento antes de qualquer relação sexual, são todas instituições que datam dessa época. É também nessa época que se desenvolve o que se tornará uma das mais ricas tradições cristãs: queimar pessoas vivas.

Cerca de um milhão de “bruxos” serão torrados durante a Idade Média. As cidades concorrerão para tentar bater recordes de quantidade de bruxos queimados por ano. O recorde foi estabelecido pela cidade de Bamberg, sede do episcopado, que conseguiu assar 600 feiticeiros num só ano.

Um grande número de membros da Igreja atual ainda lamenta o fim dessa época, quando a Igreja dominava totalmente a vida social. Religiosos (e outros) cristãos lembram com saudade a “espiritualidade” da época, a arte que deu grande ênfase à morte – assunto que sempre apaixonou os cristãos, e a música envolvente.

Ano de 804

O imperador cristão Carlos Magno converte grande número de saxões, propondo-lhes a seguinte escolha: converter-se ao catolicismo ou serem decapitados. Vários milhares de cabeças caem, com a bênção da Igreja: os sacerdotes presentes participam da jogada do imperador.

Século IX

Cisma do Oriente. O patriarca de Constantinopla pretende que se deve utilizar o pão com levedura para a Eucaristia. O Papa, bispo de Roma, afirma que se deve usar pão sem levedura. Com base neste problema de capital importância, a cristandade se divide, e os dois patriarcas, de Roma e de Constantinopla, se excomungam mutuamente. O Cisma vai provocar mortes até aos anos 90 (guerras nos Balcãs, ex-Iugoslávia, de católicos contra ortodoxos).

Ano de 1182

Os “pogroms” latinos de Constantinopla. Na cidade do piedoso patriarca que come pão levedado, estabeleceu-se, desde o início de século XII, uma colônia de mercadores “latinos”, essencialmente originários de Veneza, Gênova, Pisa e Amalfi. Mas essas pessoas têm tudo para desagradar aos prelados ortodoxos: além de utilizarem o pão sem levedura para a Eucaristia, fazem o sinal da cruz no sentido errado, da esquerda para a direita e não da direita para a esquerda! Os popes excitam a população e enfim, nos dias radiosos de maio de 1182, a multidão guiada pelos popes pega os latinos: vários milhares deles, homens, mulheres e crianças são trucidados.

Séculos XI e XII

Em face do crescimento da população da Europa, a Igreja propõe um método de controle populacional “natural”: as cruzadas. O apelo às cruzadas foi lançado em 1095. Em 1099 Jerusalém é “libertada”: logo que as tropas cruzadas entraram na cidade, o governador muçulmano rendeu-se sob a promessa da população civil ser poupada. Claro, a totalidade da população (que compreende essencialmente judeus e muçulmanos) é passada pelas armas nas horas seguintes, mas com o cuidado de antes violentar todas a mulheres e decapitar as crianças. Estima-se em 70.000 o número de civis massacrados, ùltima fase do massacre passa-se nas sinagogas e mesquitas da cidade, onde os habitantes aterrorizados se refugiaram: pensam que o caráter religioso dos locais possa inspirar os piedosos cruzados à clemência. Nada disso acontece: os cruzados entram e transformam os locais de culto em vastas carnificinas. O massacre de milhares de civis amontoados na grande mesquita da esplanada do templo dura várias horas. “Tudo o que respira” na cidade foi morto, informam com orgulho os comandantes dos cruzados.

Ano de 1204

A Cruzada fez uma parada em Constantinopla, na época a maior cidade cristã. Mas os cristãos sabem fazer entre eles o que fazem aos outros: durante três dias, Constantinopla foi posta a saque, com uma orgia de violências indescritíveis.

Anos de 1208 a 1244

Cruzada dos Albigences: por iniciativa do papa Inocêncio III, uma cruzada é preparada. Em 1209, como alguns “hereges” se haviam misturado com a população de Beziers, o duque Simon de Monfort deu uma ordem que lhe assegurou a posteridade: “Matem-nos todos, deus reconhecerá os seus”. Toda a população, homens, mulheres e crianças são passados pelas armas.

A Provence e a região de Toulouse ficam muito despovoadas após essa guerra que é dirigida contra a população civil, com uma ferocidade sem precedentes desde as invasões bárbaras.

Anos de 1226 a 1270

Luís IX, rei de França. Finalmente um católico, de reputação piedosa e íntegra, ascende à coroa de França. A Igreja o canoniza em 1290, em reconhecimento de seus méritos que, ninguém duvida serem excepcionais. De fato, durante o seu reinado, São Luís lança duas cruzadas, que terminam as duas de modo catastrófico: pouco importa, é a intenção (de matar e de pilhar) que conta, aos olhos da misericordiosa Igreja católica! No plano interno, São Luís faz de modo que a justiça puna de modo sistemático os blasfemeadores: são postos nos pelourinhos e têm as suas línguas atravessadas por ferros em brasa.

Ano de 1231

Fundação da Inquisição. O Santo Ofício, durante toda a sua história, queimou mais de um milhão de pessoas, essencialmente hereges, judeus e muçulmanos convertidos e também os “bruxos”. A última feiticeira será queimada em 1788. O último “herege” chegará à sua vez em 1826. A inquisição e os seus imitadores protestantes queimam também médicos e cientistas, desde que haja uma oportunidade.

A Igreja nunca se arrependeu dos atos da Inquisição e até garantiu a continuidade histórica da instituição até aos nossos dias, limitando-se apenas a mudar-lhe o nome: será necessário esperar que Pio X, em 1906, faça que o “Santo Ofício da Inquisição” seja renomeado como “Santo Ofício”, e em 1965, para que seja rebatizado como “Congregação para a doutrina da fé”. Enfim, em 1997, o papa abre os arquivos do Santo Ofício, e historiadores escolhidos a dedo são autorizados a fazer pesquisas. As estimativas do número total de vítimas da inquisição são então revistas para cima, havendo um consenso que roda hoje em torno de um milhão de pessoas executadas, ao qual é necessário acrescentar as inúmeras pessoas torturadas e com todos os seus bens apreendidos.

Ano de 1251

O papa Inocêncio IV autoriza enfim a inquisição a praticar a tortura. A obtenção das confissões de culpa é grandemente facilitada. A inquisição pode aplicar, com base em confissões arrancadas através de tortura, penas indo duma simples oração ou dum jejum até à confiscação dos bens e mesmo prisão perpétua. Mas ela não pode condenar à morte.

Com a subtileza característica da Igreja católica, a inquisição podia “passar” um herege para a justiça comum, que o levará à morte na fogueira, com base na confissão obtida pela Igreja, mesmo com tortura. Essa subtilidade permitirá à Igreja afirmar que ela nunca matou ninguém...

Anos 1347 a 1354

Em toda a Europa reina a Morte Negra, a primeira grande epidemia de peste no continente. Os prelados católicos logo descobriram os culpados: os judeus teriam envenenado os poços de água. Esse boato espalha-se por toda a Europa e inúmeros “pogroms” acontecem. Na Alemanha contam-se 350 comunidades judias totalmente destruídas pelos “pogroms” nesse período.

Na Itália, em Milão, as autoridades civis e eclesiásticas, depois de terem executado no braseiro os “untori” judeus, inauguraram uma coluna comemorativa para lembrar o seu feito. Essa coluna passou à História com o nome de “Coluna infame”, quando, no século XIX, o romancista Manzoni teve, em primeira mão, a coragem de denunciar esse monumento à perversão religiosa.

Ano de 1483

Tomás de Torquemada é nomeado Grande Inquisidor de Castela. Esse monge dominicano faz uma ampla utilização da tortura e da confiscação dos bens das vítimas. Estima-se em 20.000 o número de pessoas queimadas durante o seu mandato.

Ano de 1487

Dois monges dominicanos alemães, Jacob Sprenger e Heinrich Institoris publicam o “Malleus Malleficarum”: trata-se dum espesso volume de 400 páginas que é um guia (claro que aprovado pela hierarquia católica) de caça às bruxas.

Lá se pode aprender a identificá-las (p. ex. se uma mulher acariciar um gato preto e a centenas de metros alguém se sentir mal, etc), a torturá-las para as fazer confessar, e como os inquisidores podem se absolver mutuamente, depois duma sessão de tortura.

A obra afirma também que negar a existência da feitiçaria é uma heresia muito grave, passível de morte na fogueira. Durante dois séculos e meio, na Alemanha, depois da publicação do Malleus Malleficarum, negar a bruxaria podia levar ao braseiro.

O manual foi um “best-seller”...

Ano de 1492

O rei “muito católico” e a rainha “muito católica” (títulos dados pelo papa em pessoa!) de Espanha, expulsam os judeus. Eles podem escolher se converter, para então poderem ser justiçados pela inquisição (que queimará grande número deles) ou partir.

Mais de 160.000 judeus saíram da Espanha. A hierarquia católica não fica indiferente a essa medida duma crueldade assustadora: ela aprova a medida, e o papa encoraja os outros soberanos europeus a se inspirarem no exemplo espanhol. Em toda a Europa os padres católicos se mobilizam para obrigar os governos a proibir a entrada dos judeus expulsos. Os judeus que escolheram se converter são perseguidos pela inquisição com uma impressionante determinação: até ao século XVIII, far-se-á o “Teste da banha de porco” aos judeus convertidos e seus descendentes: uma salada com pedaços de carne e banha de porco é apresentada ao “convertido”. Se for notado que ele não comeu a carne suína, será queimado como “falso convertido”.

Esse método será também aplicado aos muçulmanos e seus descendentes. Se a expulsão dos judeus de Espanha foi a maior do gênero registrada na História, não foi a primeira. Na França, os prelados católicos tinham já conseguido a expulsão dos judeus em 1306, e que foi logo revogada, antes de ser confirmada em 1394. A Inglaterra já tinha procedido à expulsão em 1290.

Em 1496, Portugal imita o seu poderoso vizinho, expulsando também os judeus.

Ano de 1493

O primeiro índio da América no paraíso. Quando Cristóvão Colombo, que teve o cuidado de levar um monge nas bagagens, chega à América, encontra os índios que descreverá como gente amigável e solícita. Prende 12 deles e os leva para Espanha. À chegada, um deles fica doente: antes da sua morte, é batizado rapidamente, o que permite a corte dos muito católicos reis exultar, porque um indígena do Novo Mundo acabava de entrar no paraíso cristão. Esta triste história marcará o início da trágica cristianização dos índios americanos, onde os episódios dos redutos do Paraguai e as perseguições aos índios Pueblo serão alguns dos mais trágicos.

Ano de 1499

Acontece neste ano o maior “auto da fé” que a História registra. Em um só auto de fé, o inquisidor Diego Rodrigues Lucero queima vivos nada menos que 107 judeus convertidos ao cristianismo, em Córdova.

Século XVI

O drama dos castrados. A Igreja, que tinha proibido que mulheres cantassem no coral das igrejas, enfrenta um problema trágico: como não torturar os ouvidos dos piedosos prelados de cristo, privando-os das vozes sopranas, tão importantes nos coros para louvar o amor a deus? Uma solução bárbara é encontrada: castrar jovens meninos cuja voz tenha sido considerada bela. Nos corais da Santa Igreja católica não faltarão assim nunca os sopranos e contraltos... Esta prática bárbara só terminará em 1878, por ordem do Papa Leão XIII. Mas é mantida ainda durante o século XIX, a ponto de Rossini, quando ele compôs a “Pequena missa solene”; escreveu, com naturalidade, que serão suficientes para executá-la “um piano e uma dúzia de cantores dos três sexos, homens, mulheres e castrados”.

Ano de 1506

“Pogrom” de Lisboa: 3000 judeus são trucidados pelos piedosos católicos, incitados pelos prelados.

Século XVI

Júlio II della Rovere, papa. Hábil chefe militar, veste uma armadura durante a missa, quando um monge insolente lhe diz que o traje não é conveniente. “Quando se trata de conquistar terras, deus não faz questão do traje, mas da fé do seu servidor”, lhe responde, passando assim à História. Deus lhe permitiu, de fato, conquistar a cidade de Bolonha, que foi, como deveria, posta a saque.

Ano de 1521

Inspirado pelo Espírito Santo, que aparentemente não tinha o que fazer, um monge alemão, Martin Luther, traduz do latim o “Novo Testamento”, em algumas semanas. O diabo acaba de o tentar: Lutero não encontra coisa melhor a fazer do que lançar sobre ele um tinteiro, que suja a parede. Essa mancha está religiosamente preservada para os turistas do castelo de Wartburg. O acontecimento pareceria insignificante. Mas não é, pois ele inaugura o maior cisma da cristandade: durante os séculos seguintes, os cristãos vão se massacrar mutuamente ainda com mais entusiasmo do que quando eles matavam e queimavam os não-cristãos, os hereges, as bruxas, os judeus e muçulmanos convertidos, etc. Lutero escreverá e dirá diversas vezes que era necessário queimar as sinagogas e escorraçar os judeus das cidades: ele se situa assim dentro da tradição dos pais da Igreja católica, e que será mantida até ao século XIX pela inquisição e depois no século XX pelos camisas castanhas (seguidores de Mussolini).

Ano de 1527

Saque de Roma. Os soldados protestantes massacram a totalidade da população de Roma, umas 40.000 almas, e pilham a cidade. O papa é salvo pelos guardas suíços. Ele se fecha com eles no Castelo de Santo Ângelo, enquanto a população é massacrada. Ele passou um grande medo. Os suíços ganham assim uma fama profissional no estrangeiro, o que se perpetua até hoje.

Ano de 1553

Calvino, que condena os excessos da Igreja Católica, faz decapitar o livre-pensador e médico Michel Servet, que havia descoberto a circulação sanguínea. Esse é somente um dos 15 hereges que o reformador fez executar durante a sua ditadura sobre Genebra. Calvino tem um papel muito ativo na prisão e depois na condenação à morte de Michel Servet. Primeiro ele troca correspondência com ele e depois que o médico, fugindo da inquisição, chega a Genebra, manda-o prender. Calvino havia dito a seu amigo, o reformador Farel, que se Servet entrasse em Genebra, de lá não sairia vivo. Ele manteve a sua promessa e interveio pessoalmente no julgamento pedindo a sua execução. A única clemência dada a Servet foi de ser decapitado em vez de queimado vivo.

Ano de 1571

A invenção da imprensa permite que um número crescente de pessoas se informe. A Igreja reage criando o Índex (Index Additus Librorum Prohibitorum): essa instituição editava regularmente a lista dos livros proibidos. A última edição do Índex foi publicada em 1961.

Anos de 1566 a 1572

Pio V, papa. Este santo da Igreja católica vangloria-se publicamente diversas vezes de ter, durante a sua carreira de inquisidor, colocado fogo com suas próprias mãos em mais de 100 fogueiras de hereges que ele mesmo acusara, confundira e condenara. Publica também uma nova edição do catecismo oficial da Igreja, no qual o amor ao próximo e a misericórdia ocupam um lugar importante.

Anos de 1547 a 1593

Guerras de religião na França. As subseitas cristãs entregam-se a uma guerra civil sem perdão, interrompida por diversas pazes e tréguas temporárias. Durante uma delas, teve lugar o massacre de 20.000 protestantes, homens, mulheres e crianças, numa só noite, a tristemente célebre Noite de S. Bartolomeu (1572).

Fim do século XVI até ao início do século XVIII

Conversão forçada dos índios Pueblo. Subindo pela costa do golfo do México, os exploradores espanhóis, sempre acompanhados de monges e padres, entram em contato com a tribo dos Pueblo, no território que hoje pertence ao estado americano do Novo México: diferentes dos índios nômades das planícies do Norte e doutros indígenas mais combativos que os espanhóis encontraram no México e na América do Sul, os índios Pueblo vivem em aldeias (los pueblos) de casas de tijolos com 2 ou 3 andares, são pacíficos e praticam a agricultura. Seguem uma religião na qual se venera o “Pai do Céu” e a “Terra Mãe”, temem os demônios (os Skinnwalkers) que andam pela crista das montanhas ao pôr do sol, veneram os corvos como reencarnação dos seus antepassados. Eles têm também um rico templo de deuses semelhantes aos dos gregos, sendo o seu deus principal a mulher-aranha. As cerimônias são celebradas em pequenas igrejas familiares, as Kivas.

Estes pacíficos agricultores logo se tornam objeto de atenção dos padres espanhóis, impacientes por substituir o culto do Pai Céu e da Mãe Terra por aquele de cujo deus se bebe o sangue durante as cerimônias: os pajés índios são acusados de bruxaria e executados. As Kivas são destruídas pelos militares hispânicos. Os cultos religiosos tradicionais são proibidos, sob pena de mutilação.

Índios surpreendidos a celebrar uma cerimônia tradicional terão um braço ou um pé cortados. Apesar disso tudo, alguns índios continuarão a fazer os seus cultos, em segredo e à noite. Os padres católicos usarão esse fato nos seus sermões e que os índios ainda hoje citam com amargura: os padres diziam que a religião dos índios era a das trevas, pois era sempre à noite, enquanto que o cristianismo era a religião da luz, pois se come a carne e se bebe o sangue do deus cristão em pleno dia. Diversas revoltas sangrentas pontuam a cristianização dos Pueblo. Essa perseguição religiosa só cessará depois da anexação do território pelos EUA, em 1847.

Ano de 1600

Giordano Bruno é queimado vivo em Roma, condenado por heresia. Ele havia ousado definir o Universo como infinito e admitido a hipótese da existência de formas de vida fora da Terra. Era demais para a Igreja. Depois de 8 anos de processo, durante os quais lhe são arrancadas confissões, sob tortura, ele é condenado à morte como “herege obstinado e ímpio”. Ele se defende tentando mostrar que as suas idéias não estão em contradição com as doutrinas cristãs, mas em vão.

Ele foi queimado vivo, em público, em Roma, no Campo dei Fiori. Tiveram o cuidado de lhe cortar a língua antes de o enviar ao local da execução, para evitar todo o risco de que as suas palavras emocionassem a multidão que veio assistir ao espetáculo. O seu principal acusador, o cardeal Bellarmino, será mais tarde canonizado e, em 1930, proclamado “Doutor da Igreja”.

É interessante notar que, no caso de Galileu, a Igreja católica expressou o seu arrependimento no fim do séc. XX, com a sua reabilitação em 1992, nunca se arrependerá da execução de Bruno. Pelo contrário, ela se opôs com veemência à instalação duma estátua de Giordano Bruno, em 1889. Em 1929, o papa pediu a Mussolini para que destruísse essa estátua, antes de canonizar e depois nomear “Doutor da igreja” o cardeal Roberto Bellarmino, acusador de Giordano Bruno.

Ano de 1609

Expulsão dos mouros de Espanha. Depois da expulsão dos judeus de Espanha, a inquisição se aborrecia um pouco nesse belo país. Lança então a caça aos “morescos”, os árabes convertidos ao cristianismo. Há a suspeita de serem falsos convertidos e são executados todos os que se recusam a beber vinho ou comer carne de porco, ou que sejam limpos demais. Com efeito, o Islamismo, contrariamente ao cristianismo, prescreve lavagens periódicas. A higiene nunca foi tão perigosa como no séc. XVI em Espanha!

Enfim, em 1609, temendo talvez ter deixado passar alguns falsos convertidos, a inquisição consegue do rei a expulsão dos “morescos” para o Norte da África. O número dos expulsos é mal conhecido: as estimativas variam entre 300.000 e 3.000.000. Os expulsos chegam a terras islâmicas, onde o Corão prevê a pena de morte para os que renegaram Mahomé...

Ano de 1633

Processo de Galileu. Por ter duvidado da teoria geocêntrica de Ptolomeu, (que, diga-se de passagem, não era cristão), Galileo Galilei é obrigado a retratar-se: são-lhe mostrados os instrumentos de tortura que seriam usados se ele insistisse. O processo de Galileu só foi reaberto para revisão pelo papa João Paulo II, e Galileu é reabilitado em 1992. As suas obras já tinham sido colocadas no Índex em 1616. Passará o resto da sua vida confinado na sua casa (prisão domiciliar). Foi a sua reputação internacional de cientista que lhe evitou conseqüências mais graves.


Anos de 1618 a 1648

Guerra dos 30 anos. Os muito católicos reis de Habsbourg forçam a conversão dos seus súbditos protestantes da Boêmia, iniciando a maior guerra que o continente europeu tinha conhecido. A população da Alemanha é reduzida à metade. Numerosas cidades são devastadas. Epidemias de peste assolam toda a Europa Central, desde a Lombardia à Prússia.

Trata-se realmente duma guerra religiosa, embora as igrejas tenham tentado fazer crer que se tratava dum conflito político: a guerra iniciou-se por conflitos religiosos e pela ação de reis estrangeiros, como Gustavo II da Suécia, que intervieram por razões de convicção religiosa.

O caso de Gustavo II é particularmente significativo, pois obrigava seus soldados a cantar canções religiosas todas as noites, embora eles fossem uns terríveis saqueadores. O exército sueco ganhou o título de “Schrecken des Krieges” pela população alemã, que teme a pilhagem dos suecos ainda mais do que as feitas pelos exércitos dos Habsbourg.

Segunda metade do séc. XVIII

O assunto das reduções do Paraguai. Este caso é particularmente interessante, pois aqui os católicos se massacram e se excomungam entre eles. Os jesuítas haviam estabelecido no Paraguai um pequeno império particular feito de reduções (redutos), ou seja, pequenas aldeias fortificadas na floresta, onde viviam os índios convertidos ao cristianismo, mas uma correção das fronteiras coloca alguns desses redutos em território português.

Ora, Portugal, país católico e cristão, mantém na época a tradição da escravatura: os portugueses pensam então roubar aos jesuítas os índios para depois vendê-los como escravos. O papa intervém, excomunga os jesuítas das reduções. Depois, um exército, com os canhões e espadas benzidas pelos padres de serviço, ataca as reduções, massacra os jesuítas e toma os índios como escravos. Um Te Deum solene celebra a vitória, como deve. Pouco depois o papa interdita a ordem dos jesuítas, culpada de ser muito inteligente e racional, e sobretudo de não ter servido com lealdade a família de Bourbon, reis de França e de Espanha, monarcas absolutos e grandes amigos da Igreja católica.

Ano de 1766

Em pleno século das luzes, um jovem de 19 anos, o Cavaleiro de la Barre, passa “a vinte passos duma procissão, sem tirar o chapéu”. É preso e torturado. Finalmente é decapitado depois de lhe terem cortado a língua. O seu corpo é depois colocado sobre uma fogueira e queimado junto com um exemplar do Dicionário Filosófico de Voltaire, diante duma multidão entusiasmada.

Ano de 1788

No Cantão de Glaris, na Suíça, a última bruxa foi queimada. Esta execução da Inquisição não foi a última, e continuará queimando hereges até 1826.

Ano de 1793

Kant, professor de Filosofia em Konigsberg e estrela internacional da filosofia moderna, depois da publicação da “Crítica da Razão Pura”, publica “A religião nos limites da Razão”, onde ele coloca as doutrinas cristãs à prova do raciocínio e do “imperativo categórico”. É demais para os piedosos reis da Prússia, que empurrados pelos prelados protestantes, intervém e Kant é forçado a retratar-se publicamente, sob pena de perder imediatamente o seu posto na universidade de Konigsberg. Todos os professores universitários são obrigados a assinar, sob pena de dispensa imediata, um documento onde prometem não citar os ensinamentos de Kant com relação à religião. Como no caso de Galileu, a fama internacional de Kant o salva de conseqüências mais severas. Kant ainda pensa em se exilar, mas neste fim de século, há poucos céus clementes para pensadores que ousaram criticar aspectos da ideologia cristã. Assim acabará os seus dias em Konigsberg.

Ano de 1826

O último herege é queimado vivo pela inquisição espanhola. Uma rica tradição cristã termina. Daí para a frente, a Igreja recorrerá a meios mais sutis para matar, como proibir a assistência a mulheres que devem abortar, sabotando o planejamento familiar nos países pobres, proibindo os preservativos como modo de lutar contra a Aids, etc.

Ano de 1847

Guerra do Sonderbund. A Suíça é dilacerada por uma guerra religiosa. Os cantões católicos, cujos governos estão muito influenciados pelos conselheiros jesuítas, fundam uma aliança militar, o Sonderbund, que exige a anexação aos cantões católicos de regiões majoritariamente protestantes. Chamam os monarcas católicos da Áustria em seu auxílio, depois iniciam as hostilidades. Somente uma vitória rápida das tropas federais/protestantes permitiu evitar uma intervenção austríaca, que levaria a um conflito de extensão européia. Os protestantes, por seu lado, encetam uma feroz “Caça aos católicos”, nos campos de Genebra. Os jesuítas, considerados responsáveis pela guerra, são expulsos da Suíça, e essa expulsão valerá até 1970.

Ano de 1848

A população de Roma revolta-se contra a ditadura papal. O papa é expulso. Volta ao poder em 1849. Os opositores são fuzilados. O Estado da Igreja volta a ser uma monarquia absoluta, cujo soberano é o papa. Ano de 1871 O papa excomunga todo aquele que participar de qualquer eleição do estado italiano, que é classificado como “diabólico”, porque retirou aos papas o seu poder temporal. Essa sentença de excomunhão automática não impedirá o papa de abençoar, alguns anos depois, a fundação do “Partito populare”, de inspiração católica e fundado por um padre.

Ano de 1881

Os “Pogroms” russos começam. Incitados pelos prelados ortodoxos, que difundiram um boato que o Czar Alexandre II teria sido assassinado por um judeu, multidões se juntam em mais de 200 cidades russas e destroem os bens dos judeus. Os pogroms tornar-se-ão comuns na piedosa Rússia Czarista, sobretudo entre 1908 e 1917. O mais violento dentre eles teve lugar em Kishinev, em 1913: as autoridades civis e religiosas da cidade incitam a multidão que ataca violentamente os judeus. Durante dois dias a multidão mata 45 judeus, fere 600 e pilha 1500 casas. Claro que os responsáveis (popes e políticos) nunca serão incomodados pela justiça.

Ano de 1889

Numa Roma livre do jugo papal, no dia 9 de junho, é inaugurada a estátua de Giordano Bruno, no Campo das Flores. O papa Leão XIII, sofredor, passará o dia todo de jejum aos pés da estátua de S. Pedro. A imprensa católica dispara: fala de “orgia satânica”, descrevendo a manifestação da inauguração, o “triunfo da sinagoga, dos arquibandidos da Maçonaria, dos chefes do liberalismo demagógico”, “o máximo da ignorância e da malignidade anti-clerical”.

Anos de 1918 a 1945

Os anos do compromisso. A Igreja católica apóia ativamente o crescimento dos totalitarismos na Europa. Na Áustria, o seu apoio ao Austro-Fascismo é total. Na Itália, ela assina com o regime fascista uma concordata que faz do catolicismo a religião de estado: os italianos podem de novo votar sem serem excomungados, pena que isso de pouco serve em período de ditadura. A Igreja sacrifica em grande parte as suas próprias associações: todas, exceto a Ação Católica, devem integrar as organizações fascistas. O Vaticano promete a Mussolini de fazer com que a Ação Católica não se deixe tentar por ações antifascistas.

Em 1929, Mussolini, depois de ter assinado a concordata dita “Patti Lateranensi”, é qualificado pelo papa como “o homem da providência”. Em 1932, o ditador recebe das mãos do papa a Ordem da Espora de Ouro, que é a mais alta distinção concedida pelo Estado do Vaticano. Essa bela harmonia vai resistir mesmo ao momento de tensão causado pela estátua de Giordano Bruno. O papa aproveita a concordata para pedir ao seu amigo ditador que destrua a estátua erigida em 1889.

O ditador, que tem um filho com o nome de Bruno, toma a defesa do livre-pensador e declara à Câmara de Deputados que “A estátua de Giordano Bruno, melancólica como o destino desse monge, ficará onde ela está. Tenho a impressão que seria se encarniçar contra esse filósofo que, se equivocado e persistiu no erro, no entanto já pagou”. Para mostrar que não se arrepende de nada a Igreja canoniza então Roberto Bellarmino, o acusador de G. Bruno, nomeando-o “Doutor da Igreja”.

Na Alemanha, em janeiro de 1933, o Zentrum, partido católico, cujo líder é um prelado católico (Pralat Kaas), vota plenos poderes para Hitler: este último pode assim atingir a maioria de dois terços necessária para suspender os direitos garantidos pela Constituição.

Com uma caridade toda cristã, o bom prelado aceita também fechar os olhos para os discutíveis processos nazistas, como a prisão dos deputados comunistas antes da votação. Depois a Igreja começa a negociar uma nova concordata com a Alemanha: nesse cenário, ela sacrifica o Zentrum, então o único partido significativo que os nazistas não tinham proibido. Na realidade ele tinha-o ajudado a chegar ao poder.

Em 5 de julho de 1933, o Zentrum se dissolve sob solicitação da hierarquia católica, deixando o caminho livre para o NSDAP de Hitler, então partido único. Hitler declara-se católico no “Mein Kampf”, o livro onde ele anuncia o seu programa político. Também afirma que está convencido ser ele um “instrumento de deus”. A Igreja católica nunca colocou no seu Índex o “Mein Kampf”, mesmo antes da ascensão de Hitler ao poder. Podemos acreditar que o programa anti-semita do futuro chanceler não desagradava à Igreja.

Hitler mostrará o seu reconhecimento tornando obrigatória uma prece a Jesus nas escolas públicas alemãs e reintroduzindo a frase “Gott mit uns” (Deus está conosco) nos uniformes do exército alemão.

Em 1938, as SS e SA organizam a “Noite de Cristal”: com trajes civis, os milicianos nazistas atacam sinagogas e lojas pertencentes a judeus. A população alemã está horrorizada e aterrorizada. O bispo de Freiburg, monsenhor Gröber, declara então, em resposta às perguntas sobre as leis racistas e os pogroms da noite de cristal: “Não podemos recusar a ninguém o direito de salvaguardar a pureza da sua raça e de elaborar medidas necessárias a esse fim”.

Na Espanha, um general tenta um golpe de estado militar, que aborta mas degenera em guerra civil. A Igreja o apóia, padres e bispos benzem os canhões de Franco, celebram com muita pompa Te Deum pelas suas vitórias contra o governo republicano legítimo. A guerra faz mais de um milhão de mortos, e Franco fuzila todos os prisioneiros. Franco se mostrará reconhecido por seus piedosos aliados, nomeando diversos membros da Opus Dei para o seu governo.

A influência da Opus Dei crescerá ao longo da ditadura franquista, ao ponto de se chegar a mais de metade dos ministros serem membros dessa venerável instituição católica. Na França, a Igreja declara, desde 1940, que “Petain é a França”: ela prefere de fato o Trabalho-Família-Pátria do estado francês às Liberté-Égalité-Fraternité da República, que sempre a horrorizaram.

Durante a 2ª guerra mundial, o Vaticano estava ciente do extermínio dos judeus pelos nazistas. Saber-se-á, após a guerra, que o papa diversas vezes esteve para fazer um pronunciamento público, mas que finalmente se absteve essencialmente pela sua comunistofobia e achando que uma vitória russa seria “pior”.

No entanto ele chorou em 1942, junto às ruínas de Roma, bombardeada pelos aliados. Também ele se esquece de mencionar que o seu aliado político Mussolini tinha solicitado a Hitler para ter “a honra de participar dos bombardeamentos sobre Londres”, é verdade que o papa não habitava em Londres...

Ano de 1948

O papa declara que todo aquele que votar nos comunistas ou que ajudar esse partido de qualquer maneira será automaticamente excomungado. Essa medida divide as famílias, provoca exclusões socialmente intoleráveis para muitos e obriga à clandestinidade de numerosos comunistas nas zonas rurais. Os curas italianos apressaram-se a traduzir essa decisão em fatos, e pedem que as suas ovelhas votem no grande partido anticomunista (DC – Democrazia Cristiana).

O partido DC vai-se afundar logo em seguida na corrupção generalizada nos anos 90.

Ano de 1961

Última edição do Índex (Índex Additus Librorum Prohibitorum), que cita como autores cujas obras são proibidas de leitura pelos católicos entre outros: Jean-Paul Sartre, Alberto Moravia, André Gide.

Anos 80

Depois de um período de aparente liberalização, o papa João Paulo II chega à cabeça da maior seita do mundo e rende-se às mais terríveis tradições da Igreja. A sua condenação do preservativo, como modo de luta contra a Aids, provoca um grande número de mortos, difícil de estimar.

Pratica uma política ativa de sabotagem às medidas de controle da natalidade no terceiro mundo. As conseqüências são difíceis de contabilizar, mas podem ser medidas em termos de fome, miséria, criminalidade e falta de assistência médica nos continentes mais pobres – América do Sul e África.

Na sua caça aos hereges, o papa suspende “A divinis”, dois teólogos alemães que tinham ousado duvidar, um da infalibilidade papal, e outro da imaculada concepção de Maria.

Anos 90

Guerras de religião na Iugoslávia A Iugoslávia era, nos anos 80, uma das terras favoritas para férias balneares dos europeus. A publicidade Iugoslava da época vendia o caráter multi-religioso do país como um argumento turístico, pois se podia ver em Mostar e em outras belas cidades as mesquitas e as igrejas lado a lado.

Mas o país se afundou numa série de guerras civis que se querem descrever como guerras “étnicas”, quando na verdade se tratam de guerras religiosas. O caso da guerra da Croácia é o mais flagrante. Sérvios e Croatas têm a mesma origem étnica e até a mesma língua, o Croata-servo. O mais irônico é que o croata-servo (servo-croata, escrito em caracteres latinos), é hoje a língua oficial dos soldados do exército Iugoslavo que combateu em Kosovo contra a OTAN, depois de ter lutado contra os croatas no início dos anos 90.

Mas a religião separa os Croatas dos Sérvios: os Croatas foram cristianizados por Roma e são católicos. Os Sérvios foram cristianizados pelos bizantinos e são ortodoxos. Quando Milosevitch começa a agitar o espectro da “Grande Sérvia”, a Croácia declara a independência. Imediatamente o Vaticano e a R. F. da Alemanha, cujo chanceler se declarava um católico convicto, reconhecem a Croácia católica como estado independente.

O Vaticano mandou para todo o mundo anúncios para que os países reconhecessem o novo estado católico. O papa multiplica os apelos, as preces e as missas pela independência da Croácia. Durante esse tempo, o ditador croata, antigo oficial superior do regime comunista e também católico praticante, deu férias para todos os seus funcionários ortodoxos, isto é, sérvios.

Depois escolheu como bandeira nacional a antiga insígnia dos Oustachis, que entre 1940 e 44 tinham praticado um genocídio de cerca de 600.000 sérvios. A guerra civil iniciou-se. Finalmente termina essa guerra, e o papa beatifica o cardeal Stepinac que havia qualificado Ante Palevitc, o ditador Oustachi durante a ocupação de 1940/44, de “Dom de deus”, para a Croácia e o havia apoiado ativamente.

A guerra da Iugoslávia continuou depois na Bósnia, onde os membros dos três grupos religiosos (ortodoxos, muçulmanos e católicos) se enfrentaram em uma série de combates triangulares, tendo a população civil como a principal vítima. Depois a guerra passou para o Kosovo, província agrícola sem interesse estratégico, e todos sabemos o que se passou. As guerras da Iugoslávia são um caso emblemático da catastrófica intolerância que é típica das religiões “reveladas”: as comunidades religiosas se enfrentam, neste final de século, em nome de religiões que elas receberam dos acasos da expansão dos diversos impérios (Romano, Bizantino e Otomano) desde a idade-média.