23 outubro, 2011

A preservação histórica e cultural de um berço religioso e as formas jurídicas para sua realização


Entrevista com a advogada da União Wicca do Brasil, a Dra.Marcelli Bassani
Por conta dos mais recentes acontecimentos no cenário religioso do nosso país, onde templos estão sendo desapropriados, derrubados e tendo seus terrenos destinados para fins alheios aos religiosos e pior ainda, não tendo o seu proprietário ou os cidadãos que utilizavam esses espaços para praticarem a sua fé, de acordo com o que está estabelecido e garantido pela nossa Constituição Federal, nenhum tipo de suporte, ressarcimento ou qualquer outro tipo de ajuda dos órgãos competentes, nós da União Wicca do Brasil, convidamos a Dra. Marcelli Bassani, sócia do escritório Alves e BassaniAdvocacia e responsável pelo departamento jurídico da União Wicca do Brasil, a esclarecer algumas questões quanto ao caso da casa ou construção centenária, localizada no bairro de Neves, no município de São Gonçalo, região metropolitana do Rio de Janeiro, que foi o berço da Umbanda no Brasil e no Mundo.

Algumas perguntas rondam nossas mentes, mesmo porque, hoje foi com a Umbanda e amanhã poderá ser conosco. Será que todo este transtorno que ocorreu poderia ter sido evitado? Será que o problema foi a falta de documentação legalmente reconhecida que ali funcionava um templo? Enfim Dra. Bassani, nos fale um pouco sobre o caso.

Marcelli Bassani – Diante de um acontecimento tão lamentável, não só para a comunidade umbandista brasileira como para todos os que combatem a intolerância religiosa em geral, o caso da demolição do berço umbandista no Brasil e mundial, merece alguns comentários do ponto de vista jurídico, para que alguns aspectos sejam esclarecidos.
Primeiramente, não há que se discordar do abandono do imóvel pelos herdeiros, que nunca se importaram em preservá-lo, bem como a história que o mesmo agregava. Ademais, deve-se ressaltar o desinteresse tanto do Estado (como ente federativo e como órgão fiscalizador) em preservar a importância histórica do lugar.
Para preservar de imediato o imóvel em seu atual estado e impedir ainda mais a sua perda ou a construção sobre a área, deveria ter sido movida uma ação cautelar ou até mesmo uma Ação Civil Pública com pedido liminar, esta última prevista constitucionalmente e especificamente com caráter reparativo, visando a urgência na paralisação da obra e em conseguinte na preservação do bem, vez que o mesmo atende a todos os requisitos processuais para a interposição de tais peças processuais.
A médio e longo prazo, a melhor saída para a preservação cultural do bem seria o Tombamento do imóvel, com sua imediata restauração.

UWB Para melhores esclarecimentos, nos fale um pouco sobre o que é um Tombamento. As definições e vantagens de um Tombamento Histórico.

Marcelli Bassani – O tombamento é um ato administrativo realizado pelo Poder Público com o objetivo de preservar, por intermédio da aplicação de legislação específica, bens de valor histórico, cultural, arquitetônico, ambiental e também de valor afetivo para a população, impedindo que venham a ser destruídos ou descaracterizados.

UWB O que pode ser tombado?

Marcelli Bassani – O Tombamento pode ser aplicado aos bens móveis e imóveis, de interesse cultural ou ambiental, quais sejam: fotografias, livros, mobiliários, utensílios, obras de arte, edifícios, ruas, praças, cidades, regiões, florestas, cascatas etc. Somente é aplicado aos bens materiais de interesse para a preservação da memória coletiva.

UWB – Quem pode efetuar um tombamento?

Marcelli Bassani – O Tombamento pode ser feito pela União, por intermédio do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, pelo Governo Estadual, por meio do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado ou pelas administrações municipais, utilizando leis específicas ou a legislação federal.

UWB – O ato do tombamento é igual à desapropriação?

Marcelli Bassani – Não. São atos totalmente diferentes. O Tombamento não altera a propriedade de um bem, apenas proíbe que venha a ser destruído ou descaracterizado. Logo, um bem tombado não necessita ser desapropriado.

UWB – Um bem tombado pode ser alugado ou vendido?

Marcelli Bassani – Sim. Desde que o bem continue sendo preservado. Não existe qualquer impedimento para a venda, aluguel ou herança de um bem tombado. No caso de venda, deve ser feita uma comunicação prévia à instituição que efetuou o tombamento, para que esta manifeste seu interesse na compra do mesmo.

UWB – O Tombamento tem a função de preservar esse bem de que forma?

Marcelli Bassani – Sim. O Tombamento é a primeira ação a ser tomada para a preservação dos bens culturais, na medida que impede legalmente a sua destruição. No caso de bens culturais, preservar não é só a memória coletiva, mas todos os esforços e recursos já investidos para sua construção. A preservação somente se torna visível para todos quando um bem cultural se encontra em bom estado de conservação, propiciando sua plena utilização.

UWB – É possível qualquer cidadão pedir um tombamento, mesmo que este bem não seja dele?

Marcelli Bassani – Sim. Qualquer pessoa física ou jurídica pode solicitar, aos órgãos responsáveis pela preservação, o tombamento de bens culturais e naturais.

UWB – Como é um processo de Tombamento?

Marcelli Bassani – O Tombamento é uma ação administrativa do Poder Executivo, que começa pelo pedido de abertura de processo, por iniciativa de qualquer cidadão ou instituição pública. Este processo, após avaliação técnica preliminar, é submetido à deliberação dos órgãos responsáveis pela preservação. Caso seja aprovada a intenção de proteger um bem cultural ou natural, é expedida uma Notificação ao seu proprietário. A partir desta Notificação o bem já se encontra protegido legalmente, contra destruições ou descaracterizações, até que seja tomada a decisão final. O processo termina com a inscrição no Livro Tombo e comunicação formal aos proprietários.

UWB – Existem prazos determinados para a deliberação final de um processo de Tombamento?

Marcelli Bassani – Não. Por se tratar de uma decisão importante e criteriosa, muitos estudos devem ser realizados para instrução do processo e, conforme sua complexidade, cada caso demandará prazos diferenciados. Nesse processo, os proprietários, de acordo com a Lei, têm direito a manifestação.

UWB – Um imóvel tombado pode mudar de uso?

Marcelli Bassani – Sim. O que será considerado é a harmonia entre a preservação das características do edifício e as adaptações necessárias ao novo uso. Atualmente, inúmeras edificações antigas, cuja função original não mais existe, são readaptadas para uma nova utilização.

UWB – Um imóvel tombado ou em processo de tombamento pode ser reformado?

Marcelli Bassani – Sim. Toda e qualquer obra, no entanto, deverá ser previamente aprovada pelo órgão que efetuou o tombamento. A aprovação depende do nível de preservação do bem e está sempre vinculada à necessidade de serem mantidas as características que justificaram o tombamento. A maioria dos órgãos de preservação fornece gratuitamente orientação aos interessados em executar obras de conservação, ou restauração em bens tombados.

UWB – O custo de uma obra de restauração ou conservação é elevado?

Marcelli Bassani – É chamada de restauração as obras executadas em prédios de valor cultural, que tenham como finalidade conservar e revelar seus valores estéticos ou históricos. Uma restauração deve ter caráter excepcional, enquanto que a conservação deve ser uma atividade permanente. Na maioria das vezes, o custo da conservação é semelhante ao de uma obra comum. Quando o imóvel se encontra muito deteriorado, por falta de manutenção, torna-se necessário executar intervenções de maior porte, que encarecem a obra. Outra situação é a dos prédios que contêm materiais, elementos decorativos, ou técnicas construtivas excepcionais. Nesses casos é necessário utilizar mão-de-obra especializada, elevando o custo dos serviços. Contudo, esses exemplares são raros e se constituem, geralmente, em prédios públicos.

UWB – Existe algum incentivo fiscal para proprietários de bens tombados?

Marcelli Bassani – Sim. No imposto de Renda de Pessoa Física, podem ser deduzidos 80% das despesas efetuadas para restaurar, preservar e conservar bens tombados pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Para tanto, é necessária aprovação prévia do orçamento, pelo IPHAN, e certificado posterior de que as despesas foram efetivamente realizadas e as obras executadas. Essa dedução foi limitada, em 1994, a 10% da renda tributável. No caso de Pessoa Jurídica, podem ser deduzidas 40% das despesas. Essa dedução foi limitada, no mesmo ano, a 2% do imposto de renda devido. Existem alguns municípios que dão incentivos fiscais específicos para conservação dos bens tombados, ou isentam seus proprietários do IPTU.

UWB – O Tombamento é a única forma de preservação?

Marcelli Bassani – Não. A Constituição Federal estabelece que é função da União, do Estado e dos Municípios, com o apoio das comunidades, preservar os bens culturais e naturais brasileiros. Além do Tombamento, existem outras formas de preservação. O inventário é a primeira forma para o reconhecimento da importância dos bens culturais e ambientais, por meio do registro de suas características principais. Os Planos Diretores também estabelecem formas de preservação do patrimônio, em nível municipal, por intermédio do planejamento urbano. Os municípios devem promover o desenvolvimento das cidades sem a destruição do patrimônio. Podem ainda criar leis específicas que estabeleçam incentivos à preservação.

UWB – Como é possível impedir a destruição de um bem que interesse preservar?

Marcelli Bassani – Atualmente, pela ação do Ministério Público, qualquer cidadão pode impedir a destruição ou descaracterização de um bem de interesse cultural ou natural, solicitando apoio ao Promotor Público local. Ele está instruído a promover a preservação com agilidade, acionando os órgãos responsáveis da União, Estado ou Município.

UWB – Dra. Bassani, para nós da UWB e para nossos leitores, suas respostas foram bem claras, e nos esclareceu bastante sobre o caso em questão. Ficamos agradecidos. A senhora gostaria de fazer mais alguma colocação sobre o caso para finalizar?

Marcelli Bassani – Sim. Diante do exposto, resta evidenciado que neste momento, existindo vontade para preservar um imóvel tão importante culturalmente para o Brasil e para o Mundo, deve-se buscar medidas protetivas imediatas para que cesse o ato que pode ser considerado uma violência à memória religiosa e  inicie-se uma preservação histórico e cultural da única religião genuinamente brasileira, e que para isto a religiosidade não deve ser usada como empecilho, pois acima das crenças individuais a Constituição Federal nos assegura um estado laico (sem religião) e busca preservar todas as formas de manifestação religiosa, sejam elas quais forem.

A Dra. Marcelli Bassani é responsável pelo departamento jurídico da UWB, onde vem ajudando ativamente a comunidade wiccana e pagã a resolverem quesões de intolerância religiosa, problemas referentes a legalização de Templos e a demais assuntos que chegam até a União Wicca doBrasil.

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