

Apesar da devoção brasileira a Iemanjá, seu culto não é nativo, ele foi trazido ao Brasil no século XIII pelos escravos da nação ioruba.

Nesses países, Iemanjá passou a ser venerada como a “Rainha do Mar”, orixá das águas salgadas, apesar de sua origem ter sido “o rio que corre para o mar”, sua saudação sendo Odo-Yiá, que significa “Mãe do Rio”.
Analisando os nomes Ya / man / Ya e Ye / Omo / Ejá conforme a “Lei de Pemba” – a grafia dos orixás, postulada pela Umbanda, encontram-se os mesmos vocábulos sagrados que significam “Mãe das águas, Mãe dos filhos da água (peixes) e Mãe Natureza”.
Iemanjá é considerada o princípio gerador receptivo, a matriz dos poderes da água, a representação do eterno e Sagrado Feminino. Portanto, Iemanjá personifica os atributos da Grande Mãe, de padroeira da fecundidade e da gestação, inspiradora dos sonhos e das visões, protetora e nutridora, mãe que sustenta, acalenta e mitiga o sofrimento dos seus filhos de fé.
No entanto, por mais que Iemanjá seja reconhecida e venerada no Brasil, ela não representa a Mãe Ancestral nativa, que tenha sido cultuada pelas tribos indígenas antes da colonização e da chegada dos escravos.
Infelizmente, pouco se sabe a respeito das divindades e dos mitos tupi-guarani. A cristianização forçada e a proibição pelos jesuítas de qualquer manifestação pagã, destruiu ou deturpou os vestígios de Tuyabaé-cuáa, a antiga tradição indígena, a sabedoria dos velhos pajés.
Segundo o escritor umbandista W.W. da Matt, a raça vermelha original tinha alcançado, em uma determinada época distante, um altíssimo patamar evolutivo, expresso em um elaborado sistema religioso e filosófico, preservado na língua-raiz chamada Abanheengá, da qual surgiu Nheengatu, origem dos vocábulos sagrados dos dialetos indígenas.

As concepções do tronco tupi eram monoteístas, postulando a existência de uma divindade suprema, um divino poder criador (Tupã) que se manifestava por intermédio de Guaracy (Sol) e Yacy (Lua) que, juntos, geraram Rudá (Amor) e, por extensão, a humanidade. O culto a Guaracy era reservado aos homens, que usavam os tembetá, amuletos labiais em forma de T, enquanto as mulheres veneravam Yacy e Muyrakitã, uma deusa das águas, e usavam os amuletos em forma de batráquios e felinos, pendurados no pescoço ou nas orelhas.

Yacy era a própria Mãe Natureza, seu nome sendo composto de Ya (senhora) e Cy (mãe), a senhora Mãe, fonte de tudo, manifestada nos atributos da Lua, da água, da natureza, das mulheres e das fêmeas.
Cy - ou Ci - representa, portanto, a origem de todas as criaturas, animadas ou não, pois tudo o que existe foi gerado por uma mãe que cuida da sua preservação, do nascimento até a morte. Sem Cy (mãe), não há nem perdura a vida, pois ela é a Mãe Natureza, o principio gerador e nutridor da vida.
Na língua tupi existem váris nomes que especificam as qualidades maternas: Yacy, a Mãe Lua; Amanacy, a mãe da chuva; Aracy, a mãe do dia, a origem dos pássaros; Iracy, a mãe do mel; Yara, a mãe da água; Yacyara, a mãe do luar; Yaucacy, a mãe do céu; Acima Ci, a mãe dos peixes; Ceiuci, a mãe das estrelas; Amanayara, a senhora da chuva; Itaycy, mãe do rio da pedra, e tantas outras mães – do frio e do calor, do fogo e do ouro, do mato, do mangue e da praia, das canções e do silêncio. As tribos indígenas conheciam e honravam todas as mães e acreditavam que elas geravam seus filhos sozinhas, sem a necessidade do elemento masculino, atribuindo-lhes a virgindade - o que também em outras culturas simbolizava sua independência e auto-suficiência. Em alguns mitos e lendas, as virgens eram fecundadas por energias luminosas em forma de animais (serpente, pássaro, boto), forças da natureza (chuva, vento, raios), seres ancestrais ou divindades.
A explicação da omissão, na mitologia indígena, do elemento masculino na criação era o desconhecimento do papel do homem na geração da criança, além do profundo respeito e reverência pelo sangue menstrual que, ao cessar “milagrosamente”, se transformava em um filho. Somente pela interferência dos colonizadores europeus e pela maciça catequese jesuíta que, na criação do homem, o pai assumiu um papel preponderante, o filho tornou-se o segundo na hierarquia, salvador da humanidade - como Jurupary, e à Mãe coube apenas a condição de virgem. Porém, apesar do zelo dos missionários para erradicar os vestígios dos cultos nativos da cultura indígena e dos escravos, muitas de suas tradições sobrevivem nas lendas, nos costumes folclóricos, nas práticas da pajelança e encantaria que estão ressurgindo, cada vez mais atuantes, saindo do seu ostracismo secular.




Nas lendas guarani relata-se a aparição da “Mãe do Ouro”, que surge como uma bola de fogo ou manifesta-se nos trovões, raios e ventos, mostrando a direção da mudança do tempo.











Os missionários atribuíam aos índios tapajós a origem dos muiraquitãs, mas eles eram apenas seus portadores, não os fabricantes, exibindo-os como símbolos de poder ou riqueza, ou ainda como compensação na realização de ritos fúnebres, nas cerimônias de casamento ou para selar alianças e acordos de paz entre as tribos.
Ocultos em mitos, lendas e crenças, existem ainda muitos resquícios das antigas tradições e cultos indígenas. Descartando as sobreposições e distorções cristãs e literárias, poderemos resgatar a riqueza original das diversas e variadas apresentações da criadora ancestral brasileira, Mãe da natureza e de tudo o que existe, que existiu e sempre existirá. Cabe aos estudiosos e pesquisadores atuais desvendar os tesouros históricos do passado indígena brasileiro, com isenção de ânimo e sem distorções, em uma sincera dedicação e lealdade à verdade original, para oferecer às nossas mentes as provas daquilo que os nossos corações femininos sempre souberam, ou seja, "que a Terra é a nossa Mãe, que nos tempos antigos os seres humanos veneravam e oravam para uma Criadora, que abria os portais da vida e da morte, cujos templos eram a própria Natureza, que somos todos irmãos por sermos seus filhos, interligados por fazermos parte da teia da Sua Criação”.