17 julho, 2010

Submission



Ó Alá, enquanto permaneço aqui ferida e com meu espírito quebrado, eu ouço em minha mente a voz do juiz me pronunciando culpada.
A sentença que tenho que cumprir está nas suas palavras: "À mulher e ao homem culpados de adultério ou fornicação açoitai-os com cem chicotadas; não deixai a compaixão vos comover em favor deles, em um assunto prescrito por Alá, se vós acreditais em Alá e no Último Dia; e deixai que um grupo de fiéis testemunhem sua punição."
Há dois anos, em um belo dia, na feira (souk) meus olhos foram surpreendidos pelos de Rahman, o mais belo homem que já encontrei.
Depois daquele dia, sempre que ia à feira, não fazia nada além de notar sua presença.
Eu me estremeci quando soube que sua estada ali não era coincidência.
Um dia ele me sugeriu que nos encontrássemos em segredo e eu disse 'sim'.
Com o passar dos meses nossa relação se aprofundou.
Ainda mais, além do nosso amor, uma nova vida se iniciou.
Nossa felicidade não passou desapercebida e, em pouco tempo, olhos invejosos deram lugar à línguas maliciosas;
'Vamos ignorar essas pessoas', eu e Rahman dissemos, 'e acreditar na piedade de Alá'. Talvez por sermos ingênuos, jovens e apaixonados pensamos que sua divindade estivesse do nosso lado.
Nós compartilhamos afeto, confiança e um grande respeito um pelo outro, como Alá poderia nos reprovar?

Por que ele o faria?

Quando tinha dezesseis anos, meu pai me revelou na cozinha:
"Você vai se casar com Aziz; ele é de uma família honesta e cuidará bem de você".
O dia do meu casamento foi uma celebração para nossas famílias, mas não para mim. Quando em nossa casa, meu esposo se aproximou de mim, desde então, eu me recuo dos seus toques.
Sinto repulsa pelo seu cheiro, mesmo que ele tenha acabado de se banhar.
Ainda assim, ó Alá, eu obedeço a seus comandos sancionados pelas Suas palavras. Quando o empurro, deixo-lhe me pegar, pois ele cita o Senhor: "Perguntarm-Lhe à respeito das maldições das mulheres: "They ask thee concerning women's courses”
Ele disse: elas são uma injúria e profanação, então, mantende-vos longe das mulheres quando amaldiçoam, e não vos aproximai delas até que estejam limpas. Mas, quando estiverem purificadas, vós podeis vos aproximar delas de qualquer forma, em qualquer hora ou lugar ordenado à vós, por Alá, pois Alá ama aqueles que se voltam para ele constantemente e ama aqueles que se mantêm puros e limpos."
Ó Alá, altíssimo!
Você diz que os 'homens são os protetores e mantenedores da mulher, porque você lhes deu mais (força) do que ao outro'.
Eu sinto, pelo menos uma vez por semana, a força do punho do meu marido na minha cara.
Ó Alá, altíssimo!
A vida com meu marido é difícil de levar, mas submeto minha vontade a Você.
Meu marido me sustenta, portanto, sou devotamente obediente, e guardo na ausência do meu marido o que Você me mandaria guardar.
Mas meu marido, mantenedor e protetor teme deslealdade e má conduta da minha parte; ele me acusa de ser ingrata a ele; ele sempre acha uma razão para duvidar de minha lealdade. E, depois de uma série de ameaças e avisos ele começa a me bater.
Ó Alá, benevolente e misericordioso.
Assim como Você pede da mulher crente, baixo meu olhar e guardo minha modéstia.
Eu nunca exibo minha beleza ou ornamentos; nem sequer minha face e mãos.
Eu nunca piso forte a fim de chamar atenção aos meus ornamentos escondidos, nem sequer em festas.
Eu nunca saio de casa, a não ser que seja extremamente necessário; e então somente com a permissão do meu pai.
Quando eu saio, dobro meu véu sobre meu colo como Você determina.
De vez em quando eu peco, eu fantasio sentir o vento soprando por meus cabelos ou o sol em minha pele, talvez na praia, eu sonho acordada sobre uma longa jornada ao redor do mundo, imaginando todos os lugares e pessoas lá fora.
É claro, eu nunca verei esses lugares ou conhecerei essas pessoas,
porque é tão importante guardar minha modéstia a fim de obedecê-lo, Ó Alá.
Então, alegremente, faço como Você diz e cubro meu corpo dos pés à cabeça exceto quando estou em minha casa e somente com membros da família. De forma geral, sou feliz com minha vida.
Porém, as coisas mudaram desde que o irmão do meu pai, Hakim, veio morar conosco. Ele espera até eu estar sozinha em casa e vem ao meu quarto, então ele me manda fazer coisas para ele, tocá-lo nos lugares mais íntimos.
Desde que ele veio morar conosco eu me acostumei a usar o véu dentro de casa a fim de detê-lo.
Contudo, isto não o impediu.
Duas vezes ele tirou meu véu, rasgou minhas roupas íntimas e me estuprou.
Quando contei para minha mãe, ela disse que iria falar com meu pai, mas meu pai a mandou - e a mim - não questionar a honra de seu irmão.
Eu sinto dor sempre que meu tio vem me ver.
Eu me sinto presa, como um animal pronto para o abate e estou cheia de culpa e vergonha; e me sinto abandonada, mesmo cercada de familiares e amigos.
Ó Alá,
Hakim se foi, agora que sabe que estou grávida.
O veredicto que matou minha fé no amor está em Seu Livro Sagrado.
Fé em Você..., submissão a Você... parece... auto-engano.
Ó Alá, provedor e ceifador da vida.
Você clama a todos os fiéis para voltarem-se para Você a fim de alcançar a salvação.
Eu não fiz nada minha vida inteira a não ser voltar-me para Você.
E, agora que rogo pela minha salvação, sob meu véu,
Você permanece silencioso como a sepultura que desejo.

Traduzido pelo Programa de Educação Tutorial em Ciência Política - PET/POL – UnB

Cineasta holandês Theo van Gogh é assassinado (02/11/2004)

Theo van Gogh é diretor de "Submission", filme que suscitou grande polêmica recentemente na Holanda sobre o Islã. Depois de "Submission", o cineasta passou a receber ameaças e andava com proteção policial. No entanto, não desejava essa vigilância e despistava seus seguranças.

Ele também estava terminando um longa-metragem sobre o assassinato em 2002 do líder da direita populista holandesa Pim Fortuyn.

Segundo a polícia, Theo van Gogh foi esfaqueado e depois atingido por vários tiros. Há um suspeito preso, mas a polícia não revelou sua identidade.

Van Gogh dirigiu quase 20 filmes, escreveu três livros e colaborou com uma dezena de jornais e revistas. Seu filme "Loos" (1989) foi exibido na 13ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.

"Submission"

"Submission" é um curta-metragem de dez minutos que relata a violência exercida contra as mulheres muçulmanas. Foi escrito por Ayaan Hirsi Ali, uma refugiada somali, que deixou de ser muçulmana, e é membro do parlamento holandês.

Já houve ameaças de morte contra Ayaan Hirsi Ali. Desde agosto, quando o filme foi levado ao ar por uma TV na Holanda, ela vive acompanhada por um segurança. Um marroquino está preso, acusado de ameaçá-la de morte.

O filme alerta para os abusos, incesto, casamentos forçados e o suicídio de jovens mulheres muçulmanas imigrantes. "Submission" (submissão) mostra várias situações em que as mulheres são subjugadas pelos homens. Uma das mulheres é forçada a casar com um homem que odeia; outra é estuprada pelo próprio tio e fica grávida; e uma terceira é chicoteada após ter tido relações com o namorado.

O motivo mais forte, porém, que causa controvérsia, são as imagens de versos do Alcorão escritos no corpo das mulheres. Nas costas de uma mulher lê-se que um homem pode, ordenado por Deus, tomar a sua mulher quando, onde e como quiser.

A polícia holandesa deve investigar se a direção de Theo van Gogh em "Submission" tem alguma relação com seu assassinato.